quinta-feira, 12 de junho de 2008

As minhas namoradas

- Calda?

- Caramelo.

Achava que bem que podia amar aquelas mulheres. Essa história de sexo, desconfiava, era apenas uma necessidade muito ultrapassada, que Darwin fatalmente descobriria inútil àquela geração. Achava não, tinha certeza que queria casar com todas elas e os filhos seriam verbos e alguns adultérios consentidos e igualmente femininos.

Mas tinha pressa alguma. Uma falta de fome satisfeita com o sorvete coberto de calda e que derretia.

A rua, preenchida pela trilha sonora que saía de suas vozes bêbadas. O lambe lambe daquela doce e envolvente brincadeira. As idéias compartilhadas nunca levadas adiante.

E enquanto esperavam aqueles que não chegariam nunca, tinham a certeza de estar em ótima companhia.

sábado, 7 de junho de 2008

te quiero

por você eu fico cega

eu deixo aquela

e entro nessa

por você eu troco o time

eu queimo a mãe

e frito em bife

por você eu corto os dedos

vou pro estádio

nua em pêlos

por você eu tomo

até adoçante

só não deixo de beber

que aí também é putaria

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Crônica de uma noite anunciada

O mês de maio esforçava-se em descontar a solidão nas gotas de chuva que enregelavam a fumaça que saía dos escapamentos e de nossas bocas. A calçada desregulada sentia o peso de nossos passos apressados.

– Corre Carol! Hahahaha!!! Vamo chegar lindas no Lennon! Meu conga fazia par com as sandálias dela. Plac, plac, plac...
– Puta que pariu! Uma dose de cana!!!

Sexta era noite de buscar o Lennon, barzinho escuro e esfumaçado, microcosmo dentro da noite. Tinha de tudo. Playboy escroto, patricinha oxigenada, estudante puta e puto, drogadetes, intelectuais de ocasião, gente esquisita de monte. Lá, eu e Carol, bebíamos, afugentávamos o frio e qualquer idéia de autodestruição.

Pés dentro do bar. O corpo se dissipa de jaqueta e pudores. Nossos olhos vermelhos como o letreiro. Apinhado de gente o Lennon recende. Lugar pequeno. Pra passar só mesmo se roçando em quem estiver pelo caminho. A fumaça de cigarro impregna as narinas. A música alta ensurdece os ouvidos. Na bancada do bar que se oferece escandalosa, o primeiro gole de vodca desce quente. Cortando. Num baque o coração troca de mãos. Os olhos caçam, se desfazem em promessas na pouca luz. Os lábios se escancaram em gargalhadas falsas, debochadas, sequiosas. O rossa-rossa, o passa-mão descarado, e gostamos e sorrimos. Empinamos seios e bunda. O Lennon recende a sexo e amores espúrios.

Duas, três, quatro doses de vodca e já estava de pilequinho, leve como pluma, falando do universo, da vida e tudo mais com o estranho de jaqueta verde. Ele bonitinho, eu a fim de beijar na boca e sarrar atrás da pilastra. A noite, fêmea caprichosa, cobra alto. Ilude, injeta cobiça e luxúria. Massacra desavisados. E vale tudo pra abocanhar meu pedaço de amor simulado. Ele, bem... Ele coube perfeitamente na medida de meus desejos provisórios. No canto de parede respeitamos as convenções. O jogo das aparências era jogado. Um saco. Ninguém se engana. No fim, na minha casa ou na sua? Meus vinte e cinco anos valem mais que as razões sensatas. “Prefere Bukowski ou Ginsberg?”.

Descemos os dois degraus que separam o bar do inferninho quente, dilatado pelos corpos que se revolviam fingindo dançar. Sinto quando a mão percorre cada uma de minhas vértebras. Minha mente incapaz de romper a cortina do álcool só capta instintos descontrolados. O olho nu varre meu rosto em busca de reconhecimento. “Não baby, eu também me sinto só”, tive vontade de gritar. “Vem cá meu bem me dá um beijo. Eu sei que não é você”. Levanto o copo. Um brinde ao navio dos vivos, alguns já bem mortos. Executo meus versos íntimos, dou um tiro em minha cara. “Vem cá meu amor, meu bem, meu querido, toma o que te dou de graça, a conta sou eu que pago”. Um brinde à língua que me lambe, às mãos que me apalpam, ao álcool que me entorpece. Valiosos suicídios emocionais, o que seria de mim sem vocês?

terça-feira, 15 de abril de 2008

É muito mais elegante...

Andava a sentir falta do que havia sido, do que, via de regra, não seria jamais. Por dias remoeu memórias e fotografias, lembranças de tempos idos, passados despercebidos.

Olhava-se no espelho, assustado, aquele semblante de vinte e alguns anos que poderia parecer-lhe mais ou menos velho, dependendo do dia ou do dia anterior. Procurava marcas novas, linhas de expressão, mas não as encontrava na face e nem na cor dos cabelos. Desfilavam em outros lugares.

Mudaram os lugares para onde ia, mas não aquelas passadas leves e longas. Os assuntos debatidos no vai-e-vem do botequim, enquanto envelheciam os transeuntes. Mudaram os ocupantes das cadeiras da câmara municipal. Mudou a sua disposição para as goladas no etílico gelado, antes movidas pela euforia, agora pela reflexão da ebriedade. Seu jeito de desejar as mulheres, de admirar-lhes pernas e seios, cores e lábios, ainda existia, contudo, agora havia aquela propensão ao desejo de uma certa segurança que não existia nas noites e mulheres de antigamente.

Aquelas roupas que não lhe cabiam mais, embora ainda se ajustassem ao corpo. O volume mais baixo das músicas no rádio. O convite de casamento do melhor amigo sobre a escrivaninha. Que paletó devo usar? A antiga namorada, já mãe de dois filhos, passeando na pracinha... etecetera, etecetera e tal...

Medo, tremedeira, suor.

Se pensasse mais a esse respeito seria capaz de correr nu pelo mundo, anunciando o holocausto existencial impreterível. Melhor não insistir.

Elegantemente seguiu carregando a tiracolo essa certeza, com a certeza de que todos a seu lado, nas esquinas e padarias também faziam o mesmo. E, desde cedo, fez questão de esquecer de envelhecer enquanto envelhecia.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Mavi e o saxofone

"Olha! Lá vai Mavi com o saxofone!"

"Por que faz tanto barulho?"

"Ele tem fome. Fome de devorar o mundo!"

Caminha resoluto. A noite afasta os babados da saia e ele passa com os olhos
marejando estrelas. As mãos de veias roxas, acostumadas aos movimentos dos
lábios, puxam o cigarro incendiário. Os passos trôpegos acompanham o
pensamento desenfreado. A solidão não o assusta. Abre um sorriso e parte a
cidade ao meio.

"Olha! Lá vai Mavi com o saxofone!"

Na primeira bodega pede uma lapada de cana. A menina olha e faz que não vê.
Tem pernas engraçadas, pernas de tereza. Olhos marejando sexus, plexus e
nexus. É um janota de botequim bem cuidado. A solidão sempre o
acompanha, ele sorri... E parte a menina ao meio.

Olha! Lá vai Mavi carregando seu saco de poesias. Distribui seus suspiros
entre as folhas de amendoeiras. Dedos negros de asfalto. O olho vesgo da
noite admite sua passagem. É um homem com uma dor. Quando as luzes acendem
não mais o encontrarão ali. A solidão o partiu ao meio.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Ainda

Desceu as escadas correndo, cheiro molhado de terra fria, pés descalços. Chuva fina. Era feliz nesses momentos em que percebia o quanto ainda tinha da menina que fora um dia. Era como voltar no tempo, mas sem precisar deixar de crescer. Era a mesma sensação. Começo de dia. Abriu o portão, atravessou em dois saltos as poças d'água, a calçada, sentiu a areia. Desenhou um sol. Um sol imenso na areia. Suas pernas como compasso, formaram o círculo no chão, depois, tantos raios. Uns maiores, outros menores. Quanto mudou desde aquele tempo? Quanto cresceu seu corpo? O que mudou desde a época em que desenhavam o sol no chão e esperavam a chuva passar para continuar as brincadeiras?
Tragou profundamente. Encheu os pulmões, soltou de leve a fumaça e sentiu o vento no rosto. As vozes recentes, velocidade. Anoitecia, depois de um dia inteiro sem sol, mas não chovia mais. O asfalto ainda úmido e o cheiro das árvores da estrada foram as únicas coisas a ficar. Seus dedos, como suporte, descreviam um arco no ar, até os lábios. Sorvia a fumaça, a música e todos os pensamentos de uma vida inteira. Era como viajar de férias, sem pressa de chegar, aproveitando o caminho, olhando atentamente tudo a seu redor, respirando com força.
Rodaram a garrafa. Um, dois, três giros... Movimentos mais lentos... Parou. A tampa virada para ela. Cânhamo, vinho tinto, exalando álcool. Verdade ou consequencia? Era como nas noites daquele tempo, na calçada de casa, quase clandestinamente! "Você está gostando do Luis?" E o rosto ficava vermelho. E a resposta saia com medo, quase sem sair ou quase sem pensar. Outro gole, enquanto pensava, depois outro. Os rostos que nunca viu. Verdade? Embora tenha pago sempre todas as consequencias das perguntas que na vida não conseguiu responder, aquilo não era simples assim... Consequencia. Bebeu de uma vez todo o líquido, o copo inteiro! Vira, vira! Descendo pela garganta, quente, quase ânsia de vômito, tontura. Calou a resposta, desejou em silêncio, enquanto a esmiuçava em pensamentos. Eu o beijaria, sim, sentiria a língua, os dentes, enquanto os dedos dele iam deslizando, enquanto as minhas mãos...